Quatro erros comuns no uso da eletrônica na ficção

Normalmente na ficção (notadamente no cinema e TV) somos obrigados a engolir algumas marmeladas para o bem da diversão. Isso não é problema quando notamos que aquilo que esta sendo mostrado é impossível ou improvável. O problema é quando não entendemos de um certo assunto e algum erro passa batido. Isso deve acontecer muito em séries de médicos. Já me peguei pensando se tudo o que acontece em House tem alguma coisa de verdadeiro ou os roteiristas extrapolam pensando que ninguém vai perceber. Os médicos devem se divertir muito assistindo e descobrindo os erros conceituais na historia.

Isso pode ser levado para outras áreas, é claro. Assim, baseado em minha formação profissional, reuni estes quatro exemplos de equívocos e “licenças” usados em ficção que desafiam algumas das noções básicas de eletricidade e eletrônica.

1. O relógio com display de LED’s das bombas: Se você for pensar em fazer uma bomba (NSA isso é só um exemplo) certamente vai se deparar com o problema do mecanismo de disparo. Se for usar um circuito eletrônico terá que alimentar o bichinho com alguma coisa. Ligar na tomada não é uma boa opção. O mocinho que com a mais absoluta certeza irá descobrir a bomba só teria o trabalho de puxar o plug. É preciso uma bateria. Como todo mundo que tem notebook sabe, bateria tem duração. E essa duração depende do que está ligado a ela. Então, por que raios o pessoal dos filmes usa um display enorme com LED’s? Só aquele display acabaria com a bateria em poucas horas. Isso se a bateria for grande, o que não é o caso dos filmes.Já viu alguma bateria grande ligada a alguma bomba em algum filme? Não é comum...

O pessoal adora usar bateria pequena ou bateria nenhuma nas bombas cinematográficas. Já os circuitos são os maiores possíveis. É comum ver bombas com uma placa enorme cheia de CI’s e LED’s piscantes.

Outra coisa, se você quer explodir algo, pra que colocar o relógio se ninguém vai ver? No filme “A outra face” o personagem de Nicolas Cage coloca uma bomba com relógio num armário e fecha. Tá lá o relógio contando pra ninguém ver. Isso nos leva a uma conclusão óbvia: bombas com mostrador a LED’s fatalmente serão encontradas e desarmadas.

Até o Predador usa um contador desses pra se autodestruir, com direito a numerais alienigenas com LED's...

2. Só existem três cores de fios: Verde, Azul e Vermelho. Essa é batata. Já viu alguém em algum filme falando: “Corte o fio laranja, Jack?” Não... É sempre o fio verde ou azul que desarma o sistema. E o vermelho é o que acaba com tudo. Até parece que o pessoal que projeta o sistema, computador super inteligente, bomba, míssil ou outra bugiganga vai pensar em sempre usar a mesma cor. Deve ter alguma norma secreta para terroristas e bad guys dos filmes sobre como usar fios coloridos.

O melhor caso deste tipo (e provavelmente o primeiro) acontece no filme “inferno em alto mar” (1974) onde um cara põe uma bomba em um navio e ameaça explodir tudo. No final quando prendem o sujeito fica a duvida se é pra cortar o fio vermelho ou o azul para desarmar a bomba. Perguntam então ao chantageador que diz pra cortar o vermelho. E fica o drama de saber se ele realmente esta falando a verdade. O resto é fácil adivinhar.

3. Osciloscópios servem pra tudo: De rádio do além (O orfanato) a leitor de mentes (Fringe) os osciloscópios são usados pra tudo, menos pra medir freqüência, verificar formas de onda ou alguma aplicação normal. Fora a figuração que eles fazem em todo filme que mostre uma sala de controle. Da escotilha de Lost a naves espaciais é só procurar nos cantinhos que sempre tem um osciloscópio parado mostrando alguma coisa bonitinha. O mais estranho é o uso de figuras de Lissajous. Em mais de 15 anos de contato com estes aparelhos só usei Lissajous em sala de aula. Aprendi pra que servem mas nunca tive a necessidade de usar. Só vi uma única vez em todos esses anos alguém recorrer a elas pra medir alguma coisa. Mas nos filmes sempre tem um Lissajous bonito e em movimento.

4. Teoria de Propagação das ondas Hertzianas é para os fracos: Os filmes desconhecem a atenuação do espaço livre, interferência e outros detalhes que teimam em atrapalhar as comunicações. A menos que seja necessário na trama, toda comunicação sem fio funciona que é uma beleza. Algumas funcionam bem ate demais. Quem leu “O código da Vinci” lembra do rastreador colocado no cara no museu. Do tamanho de um botão, mas podia ser recebido em qualquer canto, ignorando as paredes do museu e até a caçamba do caminhão. Para um alcance daqueles seria necessário uma bateria nuclear para dar uma boa potencia de transmissão e naquele tamanho. Mas isso é fichinha perto de “O núcleo” onde os cientistas transmitem alto e claro de dentro do núcleo de ferro derretido da terra. Esse filme tem tantos erros que o pessoal do IMDB teve que colocar um aviso na pagina de goofs dizendo que era pra considerar que a história se passa em um universo onde essas coisas dão certo.

Tem também o “Inimigo do Estado” onde vários transmissores funcionavam em toda a roupa do Will Smith sem um interferir no outro. E, claro, tudo sendo recebido tranqüilamente numa central a milhares de quilômetros.

Nota: Este post foi originalmente escrito para o Cuxaxo em Janeiro deste ano, mas como não gerou muita curiosidade por lá resolvi trazer ele pra cá.